Carla Satler

AFRICANIDADES EM SALA DE AULA: RELATOS E NOTAS SOBRE A URGÊNCIA DE PRÁTICAS AFIRMATIVAS

 

A História da Escravidão no Brasil é uma linha de pesquisa que conta com excelentes historiadores que desenvolveram importantes pesquisas que formam uma base teórica essencial para o estudo e planejamento das aulas da educação básica.  E, após a promulgação da lei 10.639/03 e o incentivo à pesquisa na graduação e pós-graduação, a intensificação das pesquisas referente à escravidão africana no Brasil e às africanidades brasileiras refletiu numa melhor elaboração dos conteúdos dos livros didáticos, que dedicam capítulos à história da África da antiguidade à contemporaneidade e uma abordagem mais detalhada acerca do cotidiano das pessoas escravizadas e sobre os quilombos, apresentando-os como movimentos de resistência. Ou seja, o conteúdo apresentado nos livros didáticos tem buscado não apenas fazer presente a história da África, da escravidão e da população negra, mas também, na maioria das propostas, denuncia a escravidão e as ações imperialistas no continente africano.

 

Nesse sentido, observa-se que a abordagem das africanidades nos livros didáticos – tendo por base 6 coleções distintas adotadas por diversas escolas na última década – tende a mostrar uma história mais vinculada ao sofrimento dos povos negros, miséria e subjugação. Se nos capítulos relativos à história antiga são apresentados os antigos reinos africanos e seu desenvolvimento cultural e os quilombos como resistência no período colonial brasileiro – 6º e 7º anos do EF e 1º e 2º anos do EM – dificilmente encontra-se uma abordagem positiva das africanidades nos conteúdos seguintes. Em história contemporânea o destaque é para a ‘partilha da África e o imperialismo’ e após as lutas pela independência dos países africanos, a este segundo tema seguem as guerras civis e a miséria do continente africano – 9º ano do EF e 3º ano do EM. Apesar da luta pelos direitos civis, das atividades dos movimentos negros pelo mundo, os movimentos artísticos como a invenção do blues, rock, entre outros, importantes cientistas e escritores, sem contar o cinema, raramente uma pessoa negra com o destaque de liderança e grande feito é ressaltada nos livros didáticos, ou seja, atividades em que pessoas negras têm um destaque positivo, que poderíamos até pensar como ‘exemplar’, são simplesmente ignoradas no conteúdo apresentado.

 

Mesmo que o conteúdo apresentado possa interpretado como uma ‘denúncia’ contra a opressão vivenciada pelos povos africanos, nem sempre os estudantes fazem essa leitura, sobretudo no Ensino Fundamental. Mas sim uma leitura de ‘inferiorização’ da população negra, pois se nos demais capítulos dos livros didáticos mostram feitos e conquistas de outros povos, ao negro coube capítulos acerca de sua dominação e ‘constante’ miséria.

 

Um olhar atento aos rostos e expressões dos estudantes negros em sala aula quando se debate os conteúdos acerca da escravidão, imperialismo, etc., flagram tristeza, ressentimento, às vezes indignação, mas também vergonha. Por que vergonha do que seus antepassados sofreram? Por que vergonha da escravidão? Da injustiça cometida para com seus ancestrais? Estas foram algumas das perguntas presentes na reelaboração do planejamento acerca do ensino das africanidades no Ensino Fundamental e Médio, pois era inconcebível permanecer com aulas que já não atingiam o objetivo proposto e, ao que tudo indicava, causavam um resultado contrário ao planejado.

 

O racismo estrutural presente em nossa sociedade impõe às pessoas um discurso contínuo de reafirmação de uma suposta inferioridade da população negra. Note-se que a recepção deste discurso se dá por todos, assim a população não negra mantém uma falsa ideia de uma pretensa superioridade, enquanto a população negra precisa combater cotidianamente o racismo. Nesse sentido, que para um adolescente a recepção de uma história da escravidão no Brasil ou do imperialismo na África pode vir a ser um reforço para o racismo vivenciado, pois as questões que surgem em meio a discussão são como o estudante não negro está fazendo a recepção deste conteúdo. Aqui na região dificilmente alguém se manifesta diretamente de forma racista contra negros em sala de aula, mas as ‘brincadeiras’ e apelidos são uma constante na hora do recreio, e permanecem mesmo após intervenção. Porém, quando se aborda o conteúdo relativo à população indígena as falas preconceituosas afloram, pois ‘não temos indígenas’ em sala, visto que boa parte da população ‘parda’ não se reconhece como descendente de indígenas. Ou seja, a abordagem do livro didático e da mídia que insiste em reafirmar que o indígena é um ‘ser primitivo que vive na floresta’, cristalizam preconceitos. Aliás, uma nota, sobre a população indígena na América os livros abordam apenas estes povos um capítulo antes de debater os ‘descobrimentos’ e colonização isto no 7º ano do EF e no 2º ano do EM, não temos nada acerca dos povos indígenas na contemporaneidade, lutas pelas independências, lutas pela terra, vivência urbana e, sobretudo, resistência. Ao falar de indígenas em sala é preciso se preparar para debater acerca das diferenças de concepção de vida e trabalho, defesa das Terras Indígenas, direito aos artefatos da modernidade – carros, celulares, tênis, etc. – e, o mais difícil, buscar transformar um inexplicável ódio em respeito.

 

Porém, tal debate não se efetiva da mesma forma quando se discute temas referentes à escravidão e imperialismo, há um silenciamento, e este contribui para a manutenção do racismo estrutural. Mas, como dito anteriormente, focar exclusivamente na denúncia dos crimes do passado e na desigualdade do presente não são suficientes para mudar a perspectiva que temos. Nesse sentido, que se optou pela elaboração de aulas numa perspectiva antirracista e focada em práticas afirmativas, em geral, que antecedem os conteúdos programáticos presentes nos livros didáticos. Para esta comunicação se optou em relatar algumas práticas executadas nos últimos anos e que vêm sendo aprimoradas a cada nova turma.

 

Para introduzir História da África elaborou-se atividades sensoriais. Primeiramente, os estudantes são vendados e a eles são entregues plantas oriundas do continente africano: manjericão, gengibre, café, que além de adivinhar pelo cheiro, também deveriam indicar de qual continente era a origem da planta. Também algumas para adivinhar pelo tato, como o feijão, flamboyant, espada-de-são-jorge, comuns em Blumenau. Após, alguns objetos foram entregues a eles, como: máscaras de madeira, guias de umbanda, colares de búzios, estátuas decorativas, abayomis, etc., em seguida eles puderam retirar as vendas e observar objetos e plantas, novamente foram questionados sobre a origem de tais objetos. Outros objetos são entregues como cd’s de blues, rock e samba, livros de autores negros, como Machado de Assis e Lima Barreto, e questiona-se sobre a origem cultural. Interessante perceber a confusão, as plantas o remetem para Europa – manjericão – e Brasil – café, espada-de-são-jorge, mas as máscaras africanas causam confusão, muitos pensam serem indígenas.

 

Trabalhar os cinco sentidos da memória tem intuito de deslocar o conhecimento do passado apenas do sentido da visão, comumente ativado por meio da leitura de livros ou fotografias. Ao pensar as africanidades pelos cinco sentidos, objetiva-se torna-los sensíveis à memória das mais diversas formas, e buscar recordações que muitas vezes são relegadas ao esquecimento, como os cheiros e sabores, o tato, os ritmos, entre outras tantas memórias que podem ser vinculadas.

 

Após a definição por África e cultura afro-brasileira o enfoque da aula é sobre a contribuição cultural do continente africano na cultura brasileira e nos diversos países do mundo. EUA/Inglaterra e o Rock ou Brasil e o café e a feijoada ou a Pizza italiana e o manjericão. O intuito é a percepção da miscigenação cultural, sobretudo como a cultura africana se faz presente em nosso cotidiano e como ela é importante em nossa qualidade de vida, pois ressalta-se como a alimentação tem uma maior qualidade e sabor, os cantores negros e negras e a fruição musical, assim como os/as escritores negros e negras que não são reconhecidos como tal, ou seja, que o racismo faz com que não sejam reconhecidos a partir de sua cor.

 

Como terceira etapa eles devem investigar objetos que usam no cotidiano e que foram inventados por pessoas negras, para tal orienta-se a pesquisa como: inventores negros e negras, cientistas negros e negras. Após, foram feitos cartazes e expostos na escola.

 

Somente após esse trabalho inicial é que foi abordado o conteúdo acerca da escravidão e agora com uma abordagem diferenciada, em que a invasão e exploração do conteúdo africano é focada na ganância europeia e não numa suposta inferioridade africana.

 

Outra possibilidade é trabalhar a miscigenação, mostrando os vários povos como formadores do brasileiro e da cultura brasileira. Em Santa Catarina em que as secretarias de turismo focam nas culturas europeias oriundas da imigração dos séculos XVIII – açorianos – e XIX – alemães, italianos, austríacos, húngaros e poloneses – sempre atrelado a uma concepção não miscigenada, faz-se necessário mostrar como estes imigrantes foram dependentes da cultura local para sua sobrevivência e como as ditas ‘culturas imigrantes’, de fato são hibridas.

 

Como estava numa turma predominantemente de descendentes de imigrantes, optou-se em utilizar os alimentos para demonstrar a miscigenação presente nos detalhes cotidianos. Como esta aula foi realizado em 2020 e estávamos em ensino remoto a aula foi gravada - O que é Miscigenação?  - assim, enquanto se fazia a receita de um bolo de milho, indicava a origem de cada alimento, demonstrando que o resultado final deste bolo dependia da ‘mistura’ cultural, da diversidade dos ingredientes. Como atividade de pesquisa os estudantes deveriam escrever a receita mais importante para a sua família e, se possível fotografar tal prato. Depois deveriam pesquisar a origem dos ingredientes presentes na receita. A surpresa foi perceberem que muitas das receitas ‘típicas alemãs ou italianas’ pela tradição familiar, guardavam muitos ingredientes de origem indígena e africana. Como pergunta final deveriam escrever um breve texto com considerações sobre sua origem e a miscigenação, elencando outros aspectos culturais como música, vestimenta, hábitos cotidianos, etc. Um dos objetivos é uma percepção diferenciada do cotidiano e uma desconstrução da concepção de uma ‘origem pura’, pois para além dos sobrenomes paternos houve uma percepção da miscigenação familiar e um questionamento acerca do que o turismo divulga como ‘tipicamente’ pertencente a um determinado povo.

 

Posterior ao conteúdo acerca da escravidão busca-se abordar a contribuição africana para cultura contemporânea brasileira. Além de mostrar os diversos artistas negros e negras do Brasil, o principal intuito é uma ação afirmativa, ou seja, fazer superar o estigma de inferioridade que a interpretação e leitura do livro didático possa ter deixado.

 

Como primeira atividade foi feita a criação de um ‘podcast’ sobre cantores negros e negras do Brasil. Fez-se uma lista de nomes para sorteio, pois pretendia-se abordar tal contribuição ao longo da história dos séculos XX e XXI. O Podcast deveria conter:

 

a. Duas a três músicas do/a artista, não precisam ser completas;

 

b. Uma breve biografia do/a artista, contada por um ou dois integrantes da equipe;

 

c. Simulando um programa de entrevistas ou uma mesa de comentários, com dois ou três alunos, deverão analisar a letra de 1 música do/a artista.

 

Limitou-se o número de músicas para que os estudantes não ultrapassassem os 15 minutos de programa e a atividade ficasse muito extensa. A análise da letra de uma música objetiva a reflexão acerca das muitas problemáticas presentes nas músicas de cantores negros e negras, a intenção era levar essa discussão para a desigualdade vivenciada pela população negra no Brasil e a discussão da importância das cotas como instrumento de justiça social. Foi possível reunir alguns dos podcasts produzidos pelos estudantes: Raízes Afro. Também foi interessante a apresentação da cultura podcaster, desconhecida pela maioria dos estudantes. Para que pudessem realizar a atividade foi indicado vários podcasts brasileiros, para que eles definissem qual seria o melhor formato para a discussão da música.

 

Há muito que a princesa Isabel deixou de ser a protagonista da abolição da escravidão no Brasil, e é interessante perceber que sem o empenho que houve para exaltar o seu nome o tema da abolição tornou-se, por vezes, uma breve citação. Porém, o documento da Abolição possibilita muitas discussões acerca da injustiça social e a desigualdade. Tem-se o seguinte texto da lei Áurea:

 

“A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:

Art. 1.º: É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil.

Art. 2.º: Revogam-se as disposições em contrário.

Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.” (BRASIL, 1888)


Fonte: Arquivo Nacional

  

A partir dele foi possível debater sobre o que aconteceu com as pessoas escravizadas até então: Para onde elas foram? Tiveram indenização? E moradia? Tiveram empregos assegurados? E escola? Foi dado direito à saúde? Entre outros tantos questionamentos possíveis. A partir destes questionamentos foi debatido a importância e necessidade das cotas no Brasil, pensando a partir da construção de uma justiça tardia e da igualdade. Como atividade foi solicitado que os estudantes refizessem a Lei Áurea, mas proporcionando justiça às pessoas que foram escravizadas. Uma pena não ter nenhum destes documentos produzidos pelos estudantes, pois a lei se ampliou em muitos artigos e, em alguns casos, beneficiou os libertos anteriormente.

 

Estes foram algumas atividades realizadas, há alguns anos busca-se trabalhar com a literatura, mas nossas bibliotecas escolares não têm os autores negros e negras infanto-juvenis e nossos estudantes de escola pública não tem como adquirir esses livros. Mas estuda-se um projeto para aquisição de literatura de autores negros/as e indígenas, pois ver-se em histórias como protagonistas, também faz parte de ação afirmativa e construção de autoestima.

 

Não se pretende abandonar livros didáticos, por vezes, eles são os únicos livros que nossos estudantes convivem, ou negligenciar os conteúdos elencados, mas sim acrescentar práticas afirmativas em sala de aula.

 

 

Referências biográficas

 

Dra. Carla Fernanda da Silva Satler, professora da Rede Estadual de Santa Catarina, é doutora em História pela UFPR com a tese Arte & Anarquia: uma ética de existência em Roberto Freire.

 

 

Referências bibliográficas

 

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018.

 

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo, Edusp, 2003

 

RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista.  São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

 

SATLER, Carla. O que é miscigenação?  https://www.youtube.com/watch?v=ua4Cl5Unbgg

 

SATLER, Carla. Raízes Afro. https://www.spreaker.com/show/raizes-afros-cedup

 

SILVA, Carla Fernanda. Uma Câmera na Mão e uma História Para Lembrar:

a Memória da Educação em Vídeo. Atos de Pesquisa em Educação; Vol 5, No 3 (Ano 2010). https://redib.org/Record/oai_articulo1015589-uma-c%C3%A2mera-na-m%C3%A3o-e-uma-hist%C3%B3ria-para-lembrar-a-mem%C3%B3ria-da-educa%C3%A7%C3%A3o-em-v%C3%ADdeo

 

27 comentários:

  1. "Apesar da luta pelos direitos civis, das atividades dos movimentos negros pelo mundo, os movimentos artísticos como a invenção do blues, rock, entre outros, importantes cientistas e escritores, sem contar o cinema, raramente uma pessoa negra com o destaque de liderança e grande feito é ressaltada nos livros didáticos, ou seja, atividades em que pessoas negras têm um destaque positivo, que poderíamos até pensar como ‘exemplar’, são simplesmente ignoradas no conteúdo apresentado." Prezada Carla, bom dia! Diante dessa reflexão, poderíamos afirmar que apesar da importância histórica da Lei. 10.639.03 nos parece que o próprio campo/autores de Livros didáticos ainda não compreenderam o tamanho do problema?

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    1. Júlio César Virgínio da Costa, assina o comentário acima.

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    2. Oi Júlio, obrigada por sua questão.
      Entendo que editoras e autores – muitos só ‘nomes fantasia’ por sua fama – pouco compreenderam que o objeto da lei vai muito além da inclusão de conteúdos acerca de história da África, pois foram estes os incluídos nos últimos anos, escravidão sempre esteve presente. Tanto que pouco temos sobre os movimentos negros da contemporaneidade ou sobre cientistas, escritores, pesquisadores negros e negras. Na escolha dos livros do EM deste ano percebi que uma editora tem uma coleção interessante, com propostas de atividades pedagógicas que são práticas afirmativas. Agora tem outra editora que apresenta um texto e boxes de leitura que considero racista em muitos pontos, ainda mais alinhado às imagens presentes. O livro é uma base importante, pois às vezes é o único livro que nossos alunos têm contato, mas é preciso pensarmos ações sensíveis aos nossos alunos.
      Carla Satler

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  2. Haveria uma forma mais dinâmica de ensino para a aprendizagem dos estudos africanos, de que forma posso acalentar os alunos negros para que haja uma compreensão melhor, sem ocorrências de sentimentos depreciados e os pensamentos dos mesmos se voltem para o assunto em questão debatido em sala de aula?

    Ester Sampaio da Silva

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    1. Oi Ester,
      Foi a angústia em ver os olhares dos estudantes diante da dor da história dos seus ancestrais que me leva a pensar formas de atuar críticas, mas que também que os alunos e alunas possam expressar com orgulho a cultura afro-brasileira. Eu parto observando as comunidades em que atuam, a cultura jovem daquele momento. Por exemplo, no EF eles estão muito vidrados em Tik Tok, então estou planejando algo para usar essa rede social, alinhado a isso são desenvolvidas habilidades de domínio da informática: editar vídeos, editar podcast, etc. Quando vou trabalhar algo de ação afirmativa, entendo que é preciso partir da cultura pop do momento, pois precisa ser algo que eles se sintam motivados e felizes, assim as memórias vinculadas às atividades serão positivas.
      Carla Satler

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  3. Olá, boa tarde. Sou Crislli Vieira Alves Bezerra, e gostaria de agradecer pelo excelente texto. Dentro de sala de aula, é imprescindível estudar a África como um todo, como uma parte relevante do mundo, e com sua história. Dentro do exemplo citado no texto, houve uma mudança significativa no pensamento dos alunos à respeito dos negros? Se sim, como? Houve também a percepção sobre a igualdade entre os alunos?
    Obrigada.

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    1. Oi Crislli, agradeço sua pergunta.
      Sou de Santa Catarina e atuo em Blumenau. A secretaria de turismo do estado investe muito na ideia de SC ser uma ‘Europa no Brasil’, na cultura imigrante alemã, italiana, polonesa, húngara, austríaca, açoriana, etc. Aqui em Blumenau o conceito de ‘cidade alemã’ impera e isso obnubila às culturas indígenas e afro-brasileira. Convivemos com racismos difundidos nas famílias em alguns bairros da cidade, então é uma luta constante contra a vivência e certezas familiares. Entre os alunos não negros é combate ao racismo é mais eficaz quando temos o afeto envolvido, quando eles passam a ouvir as dores dos seus colegas e amigos negros/as e entender como o racismo os afetam, quando não há esse afeto tendem a se colocar em defensiva e daí se fecham. Por isso, tenho optado por atividades que mostram como vivemos com a cultura afro-brasileira todos os dias e gostamos, ou seja, ela faz parte daquilo que somos. É um trabalho lento com os estudantes não negros, mas mostra-se de resultados muito positivos na autoestima dos alunos e alunas negras.
      Carla Satler

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  4. Boa noite Carla Satler. Gostaria de lhe parabenizá-la pelo lindo trabalho desenvolvido. Na escola em que você leciona, há outros profissionais sensíveis ao um ensino que valorize as africanidades presentes no contexto dos estudantes? Se sim, de que forma vocês dialogam, entrelaçam essa temática?

    Ana Maria Anunciação da Silva.

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    1. Olá Ana Maria,
      Mudei de escola esse ano, então ainda não pensamos novembro, penso que terei professores que trabalhar em conjunto as atividades do Mês da Consciência Negra. Nas escolas anteriores foi muito solitário, entendo que os professores das demais áreas entendem que é um assunto de História. Mas também temos uma falha muito grande na formação dos professores, pois não temos disciplinas universitárias que discutam as culturas indígenas, afro-brasileira e africana, ou seja, um espaço para pensar a aplicação da lei 10.639/03 em Pedagogia, Biologia, Artes, Língua Portuguesa, Matemática, etc.; claro, partindo da minha realidade, penso que algumas universidades tenham criado disciplinas – muitas vezes opcionais – para essa discussão. A sensibilidade acerca da lei precisa começar entre os professores universitários e estudantes de todas as licenciaturas.
      Carla Satler

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  5. Olá, Carla Satler!
    Parabenizo pelo trabalho.

    O seu texto me fez recordar do tempo em que, na escola, eu (um menino ‘de cor’, mas que não concatenava reflexões afirmativas) aprendi, por meio de veiculações e reproduções imagéticas do 'ser negro', estereotipado e subordinado, o inconsciente recalcamento e inferiorização diante do “outro”. Em vista disso, o meu repertório sobre o território africano, por exemplo, não recebeu contribuições expressivas da escola, na verdade, foi por meio da sua antiga ideia de currículo que, erroneamente, aprendi a respeito de uma “África” aprisionada a um passado adulterado pelos “outros” e ancorada em um presente marginalizado. A partir dessa prática docente, reprodutora da simplificada diversidade africana, pergunto-lhe: como deve ser a política de formação para professores que já estão em exercício?

    Abraço!

    Antonio José de Souza
    (Itiúba-Bahia)

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    1. Oi Toni,
      É muito difícil ser criança negra em nossas escolas, folheando nossos pálidos livros didáticos! Em minha vida escolar lembro dos professores denunciando a escravidão, críticos ao racismo, mas nunca uma ação afirmativa. Não eram conceitos que eles haviam trabalhado em suas formações, portanto fizeram o que era possível para transgredir o que estudaram durante a ditadura militar. Mas já se passaram 35 anos desde o meu EF e ainda percebo poucas ações afirmativas. Nesse sentido, entendo que a maior falha está na formação de professores, ou seja, as universidades pouco debatem o cotidiano de crianças, adolescentes e jovens negros/as. Há um debate teórico por parte de alguns professores, não necessariamente uma política da universidade. Nem sempre o acadêmico de licenciatura consegue relacionar a teoria debatida com a realidade escolar e a partir das idades específicas dos estudantes. Há o momento de educar por experiências e há momentos de debater conceitos, como criar experiências afirmativas e antirracistas é a grande dificuldade atualmente.
      Carla Satler

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  6. Olá Carla que texto maravilhoso e importante, sobretudo pelas experiências que você apresenta através dele. Seu texto me inspirou, principalmente porque pretendo em minha escola desenvolver um projeto baseado na lei 10.639 sobre as Africanidades e cultura afro-brasileiras em muitas escolas de onde falo daqui do interior de são paulo, e como você demonstrou, a lei não é aplicada e somente a cultura europeia é evidenciada, então quero fazer valer a lei e introduzir um projeto onde leciono. Então queria saber contigo como foi o processo de acolhida do projeto na sua escola ? E também no mesmo sentido do Toni, queria saber sua opinião sobre a formação continuada para os professores em exercício?

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    1. Oi Bruna
      Que bom saber que você iniciará um projeto na escola onde trabalhas! A acolhida é sempre positiva, apesar de dar um destaque em novembro para a literatura negra, em que divulgo o Bingo da Literatura Negra – afroliteraria.com.br – e incentivo a leitura de autores negros e negras, mas as demais atividades faço ao longo do ano, pois a cultura afro-brasileira está em nosso cotidiano, assim entendo que não pode se restringir a uma data. Às vezes, as datas comemorativas podem produzir um efeito contrário ao fato destacado para reflexão, pois dá um sentindo de excepcionalidade, até de exótico, conforme é trabalhado. Neste caso, as comemorações de novembro são muito necessárias, mas entendo que é preciso ir além de novembro, não concentrar apenas, mas ser uma discussão permanente. Sobre a formação de professores, comentei nas respostas acima.
      Carla Satler

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  7. "Ao falar de indígenas em sala é preciso se preparar para debater acerca das diferenças de concepção de vida e trabalho, defesa das Terras Indígenas, direito aos artefatos da modernidade – carros, celulares, tênis, etc. – e, o mais difícil, buscar transformar um inexplicável ódio em respeito". Olá Carla adorei seu texto, muito necessário para nós professores de escola publica, minha pergunta é como utilizar praticas afirmativas na história indígena com esse contexto acima?

    SOLANGE CRISTINA SOUZA DA FONSECA

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    1. Oi Solange,
      A temática indígena entendo como mais difícil, em nossa região o preconceito contra as culturas indígenas é muito grande, as famílias de origem alemã, italiana têm histórias do confronto contra os Laklãno, que quase dizimaram, mas são pensados como algozes. Em uma região que a ‘cultura do trabalho fabril’ é visto como a única possível, qualquer outra forma de trabalho não é reconhecida. Então, o diálogo deve ser muito sensível em cada turma. Busco trabalhar o que temos de indígena em nosso dia a dia – alimentos, música, chás e remédios, hábitos culturais, palavras –, mas não estou satisfeita. Estou estudando para iniciar algo com escritores indígenas, também músicos, semelhante ao trabalho com as africanidades, isso porque quero descontruir a concepção do indígena como o ‘ser das florestas’, nú e que tem uma ‘cultura primitiva’, ou seja, construir um outro conceito de quem são os indígenas. Ailton Krenak tem sido uma referência ótima para reflexões.
      Carla Satler

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  8. Carla Satler
    Boa noite
    A sociedade brasileira, ainda vive um preconceito criado quando o negro era escravo dos brancos. Esse mesmo preconceito é usado dentro dos livros didáticos e também dentro da sala de aula. Como acabar com as questões difíceis existentes entre os alunos, quando se refere o preconceito??
    Meu nome é Oleane Amancio de Oliveira

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  9. Carla Satler
    A importância de estudar A África, mostra questões básicas que envolve relativamente pessoas que sofreram por ser de cor difrente. De que modo fazer com que crianças e adolescentes entendam o lado de pessoas negras sem excluir o outro???
    OLEANE AMANCIO DE OLIVEIRA

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  10. Primeiramente, agradeço a autora Carla Satler pelo excelente texto, que me possibilitou refletir um pouco mais sobre que educadora eu quero ser, já que estou cursando Licenciatura em História. Parabéns pela forma como aborda a construção do conhecimento com seus estudantes, mostrando a eles a importância e contribuição do continente Africano para a formação social e cultural do Brasil. Infelizmente, racismos e preconceitos estão impregnados na sociedade e, de fato, este é um problema inegável e extremamente visível. Pergunta: Considerando que cada estudante possui uma bagagem educacional e cultural, é perceptível a mudança de comportamento ou até mesmo se eles apresentam-se mais reflexivos acerca dos racismos e preconceitos, após você realizar as atividades citadas em seu texto ?
    Att.,
    Leila Cristiane Rodrigues Pinto.

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  11. BOM DIA, CARLA SATLER
    Falar de racismo em sala de aula é um ponto importante, pois a partir da construção de pensamentos das crianças, podemos saber como lidar com as expectativas que as crianças esperam para o seu futuro. Porque o professor trabalha na construção do pensamento da criança, e isso influencia na sua vida, na relação com os colegas.
    A partir desse pensamento como podemos lidar com a influencia dos adultos que pensam ao contrario?
    OLEANE AMANCIO DE OLIVEIRA

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  12. BOM DIA, CARLA SATLER
    A cor negra sempre foi um ponto marcante dentro da sociedade, isso dificulta uma ligação entre os dois mundos entre o negro e o branco. Como mostrar as crianças que esses problemas podem ser combatidos?
    OLEANE AMANCIO DE OLIVEIRA

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    1. Oi Oleane, agradeço suas perguntas.
      Questões difíceis e que devem ser feitas a nós mesmos em cada turma que atuamos, pois cada uma delas é diferente. Por exemplo, aqui em Blumenau já tive turmas sem alunos negros, ou com apenas um aluno negro. Hoje, atuo em uma escola periférica em que temos metade dos alunos negros em sala de aula, entre eles alguns haitianos. Não é possível ter a mesma fala e as mesmas ações pedagógicas em turmas tão diferenciadas. Entendo que o maior desafio que enfrento são os estudantes não negros, sobretudo aqueles que convivem com o racismo em suas residências, é muito difícil sensibilizar esses alunos em uma época em nós professores estamos tão desacreditados e desrespeitados. Mas é possível. Entendo que atitudes afetuosas para com os estudantes são importantes, assim ao invés do debate, tento conquistar esse aluno, busco conhecer seus interesses, entender seus anseios e assim encontrar um espaço de confiança entre nós. O estudante não irá me ouvir, se ele não gostar de mim. E eu não farei um bom trabalho se não gostar dos estudantes em suas diferenças. Gosto muito de lecionar e esse é o meu movimento em cada turma que chego. Mas quando encontro alunos cuja concepção de mundo é muito violenta, racista, machista, lgbtfóbica, entendo que preciso o conhecer e descobrir como dialogar contra essas conceções sem entrar no embate, mas sim construindo uma empatia com as pessoas. Às vezes, o tempo é curto, pois ficamos apenas um ano com uma turma, mas quando é possível um trabalho mais longo os resultados aparecem no final do ciclo: 9º ano ou 3º do EM. É um exercício de paciência, mas compensador, tanto quando percebemos que o estudante descontruiu o racismo cultivado nele, quanto quando é possível ver a discussão sobre africanidades deixando de ser o ‘exótico’ e passando a ser a nossa cultura. Em outra resposta comentei sobre a importância do afeto no combate ao racismo, então pensar em como proporcionar atividades de cooperação e amizade entre negros e não negros é como iremos derrubar a ‘barreira da cor’ – algo muito da realidade que vivo – mas mais do que isso, fazer da cor uma diferença que acrescenta experiências positivas na construção de nossas vidas e personalidades. E podem ser coisas muito simples, que não tenham relação com a discussão do racismo, por exemplo: a turma pintar a sua sala de aula, arrumar a biblioteca, fazer um lanche coletivo, criar um espaço de convívio, quer dizer atividades de cooperação em que eles respeitem o outro, tenham empatia, descontruam os pré-conceitos sobre quem é esse colega de sala. O combate ao racismo não passa apenas pela discussão teórica sobre o racismo.
      Carla Satler

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  13. Boa tarde, Carla Satler! Sabemos que mesmo com a implementação da Lei 10.639/03 o ensino da História e cultura africana nas escolas ainda é um tabu, seja pela "complexidade" do conteúdo, "falta de material" ou desinteresse mesmo. Como podemos tentar mudar essa realidade e fazer com que os professores trabalhem essa temática de forma espontânea?

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    1. Andreia e Day, gostei muito de suas perguntas.
      Particularmente, acho que não há possibilidade de um trabalho espontâneo – parto da minha realidade –, pois, em geral, estamos autocentrados em nossas realidades, portanto professores não negros não perceberão a importância de uma educação antirracista e o combate ao racismo estrutural. Mas entendo que há a necessidade de um trabalho de sensibilização. E, para tal, é preciso criar vivências, experiências que possam ser repensadas em sala de aula, não apenas faladas, debatidas. Nossa memória tem cinco sentidos, estes precisam ser trabalhados antes nos professores, para que estes possam elaborar seus planejamentos a partir dessas memórias. Não tenham medo de errar, sala de aula é um espaço de pesquisa, é preciso que sejamos professores pesquisadores.
      Carla Satler

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  14. O ensino da cultura africana é complexo e exige muita desenvoltura dos docentes para ultrapassarem as barreiras da resistência dos pais e alunos.Como as ações pedagógicas podem contribuir para o ensino da cultura africana na sala de aula?

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    1. Andreia e Day, gostei muito de suas perguntas.
      Particularmente, acho que não há possibilidade de um trabalho espontâneo – parto da minha realidade –, pois, em geral, estamos autocentrados em nossas realidades, portanto professores não negros não perceberão a importância de uma educação antirracista e o combate ao racismo estrutural. Mas entendo que há a necessidade de um trabalho de sensibilização. E, para tal, é preciso criar vivências, experiências que possam ser repensadas em sala de aula, não apenas faladas, debatidas. Nossa memória tem cinco sentidos, estes precisam ser trabalhados antes nos professores, para que estes possam elaborar seus planejamentos a partir dessas memórias. Não tenham medo de errar, sala de aula é um espaço de pesquisa, é preciso que sejamos professores pesquisadores.
      Carla Satler

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  15. Boa noite, o ensino de História da África pode contar com várias possibilidades de trabalho interdisciplinar, de que maneira a História, Literatura e Artes podem ser trabalhadas de modo interdisciplinar para um ensino de História da África?

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  16. Oi Andreia
    Tudo tem História, então nossa área pode ser interdisciplinar com todas, algo que é fabuloso. Sempre trabalhei Artes e História, e quando debatemos africanidades temos as máscaras africanas em que é possível trabalhar com argila, ou os grafismos africanos. Quando vamos para a cultura afro-brasileira temos a música, nosso maior autor é negro: Machado de Assis. Entendo que destacar autores e artistas negros/as é um trabalho de autoestima, pois mostra pessoas negras que foram – e são – protagonistas, algo que em determinadas regiões possibilita o questionamento da posição de subalternidade em que as pessoas negras são mantidas. Então, quanto mais pudermos trabalhar de forma interdisciplinar, mais será possível demonstrar a presença da cultura afro-brasileira em nosso cotidiano.
    Carla Satler

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