Valmir Medina Riga

BREVE DISCUSSÃO SOBRE A PRESENÇA (OU AUSÊNCIA) DOS MITOS DAS TRADIÇÕES AFRICANAS NO CONTEXTO DOS ESTUDOS DEDICADOS ÀS SIMILARIDADES MITOLÓGICAS UNIVERSAIS

  

Considerações iniciais

 

Solidariamente aos campos mais correntes da disciplina de História, muitos historiadores das religiões e das religiosidades, dentro de suas habilidades e conhecimentos específicos, também tem dedicado especial esforço à plena consolidação do ensino de História da África e da Cultura Afrobrasileira.

 

Nesse sentido, colocamo-nos esperançosos em cumprir satisfatoriamente tal propósito por meio deste nosso pequeno artigo – um modesto mas representativo exemplo de como os assuntos que definem nossa especialidade também se colocam favoráveis àquela tarefa.

 

Ressaltamos todavia que, devido à nossa atuação circunscrita ao campo das pesquisas, neste momento objetivamos, de modo mais lato, compartilhar algumas reflexões decorrentes de nossos estudos que, em alguma instância, poderão subsidiar os profissionais da educação nas diversas oportunidades do processo ensino-aprendizagem onde a temática africana e afrodescendente se faça presente ou venha a ser inserida, no âmbito da multidisciplinaridade.

 

Mais especificamente, essas reflexões, que aqui compartilharemos, tiveram como ponto de partida uma incômoda constatação, quando se estudam as religiões e as religiosidades: a ausência ou uma inclusão ainda acanhada dos mitos de tradições africanas nas discussões sobre as similaridades mitológicas bastante recorrentes nas análises comparadas de religiões, sobretudo quando se trata da formação cultural do mundo ocidental.

 

Assim, por meio de um levantamento de algumas similaridades entre os mitos de origem africana e os de outros povos, visamos, nesta oportunidade, incentivar a inclusão também dos mitos africanos nessa categoria de estudo (a comparação entre mitologias), demonstrando a real possibilidade dessa abordagem. A opção por esse caminho também decorre de nosso entendimento de que tal aplicação, mais do que um mero exercício acadêmico, pode contribuir sobremaneira a um duplo e premente objetivo: a supressão de uma visão eurocêntrica ainda vigente em nossa sociedade e, obviamente, um conhecimento mais acurado sobre a história e a cultura africana e afrobrasileira, ante seu protagonismo em nossa formação sociocultural.

 

Importante lembrar também que não iremos, precisamente, elencar e descrever os mitos e os seus significados. Para uma exposição minimamente compreensível de nossas ideias, acreditamos ser suficiente, por ora, referirmo-nos apenas ao seu teor. Todavia, entendemos apropriado tecer, antes, um breve comentário sobre dois importantes pontos precedentes (mas não restringentes): a necessidade de um amparo teórico disponibilizado pelos estudiosos já versados nessa temática e um olhar crítico sobre o nosso já referido ponto de partida. Vejamos.

 

A depuração das ideias viabilizada pelos subsídios teóricos

 

Não raro, todo estudioso das religiões, ao lançar um olhar simultâneo sobre as diversas formas de manifestação religiosa e as muitas tradições distantes entre si no tempo e no espaço, depara-se com algo no mínimo instigante, dentro do universo investigativo: a grande similaridade entre elementos que compõem muitos de seus mitos, seja no contexto imagético, na caracterização de personagens, no enredo ou, até mesmo, em seus significados.

 

Dedicar-se ao estudo desse fenômeno, pois, constitui uma atividade estimulante. Todavia, como toda produção que almeja resultados coesos, o estudo comparado de mitos também requer um elemento comum a todas as disciplinas acadêmicas: uma fundamentação teórica que abranja conceitos, hipóteses e métodos de trabalho em conformidade à construção racional do conhecimento. Felizmente, aos estudiosos dessa área, não faltam opções.

 

Caso nos deparemos, por exemplo, com dúvidas sobre a pertinência dos estudos comparados de mitos e religiões, encontraremos um estímulo em Levi-Strauss (1978). Abordando fenômenos desse tipo sob os parâmetros antropológicos, esse clássico autor assegura ser válida, sim, a busca por constantes (ou elementos constantes) entre as diferenças superficiais. Sob a ótica antropológica de Levi-Strauss, portanto, numa visão geral, a similaridade entre os mitos de diversas tradições constitui uma fonte legítima para a compreensão do homo religiosus, perfazendo um tema relevante no estudo das religiões.

 

E quando já nos consideramos prontos para a etapa analítica de nossos levantamentos, Mircea Eliade (1992), por sua vez, vai nos lembrar de que o exame dos dados exige certa cautela. O autor, ponderadamente, adverte-nos sobre o perigo de uma simples justaposição de semelhanças como ferramenta de interpretação, que poderia nos induzir à precipitada conclusão de que o espírito humano, em todo o mundo e em épocas diversas, reage de modo uniforme.

 

Certamente, esses exemplos são apenas dois dos inúmeros aportes teóricos de relevantes autores disponíveis para este tipo de trabalho, e ainda constitui uma referência bastante sumária. Basear todo um trabalho somente em duas assertivas como essas pode, de certo modo, colocar-nos sob o risco de uma simplificação grosseira do entendimento acerca de nosso objeto.

 

Contudo, devemos levar em conta também o propósito de cada trabalho. Este nosso pequeno artigo, particularmente, desenvolveu-se sobremaneira inspirado no olhar que Eliade lança sobre as religiosidades. Historiador das religiões responsável por uma meticulosa produção acadêmica e uma impressionante bibliografia, as suas concepções e abordagens se tornaram, enfim, bastante satisfatórias ante a modesta dimensão de nossa proposta. Portanto, o escopo de cada trabalho exigirá uma medida própria de fundamentação teórica – mas sem jamais prescindi-la.

 

De qualquer forma, seja a pesquisa destinada a uma apresentação midiática cotidiana ou a uma tese de doutorado, uma fundamentação teórica séria e responsável nos garantirá trilhar um caminho distinto ao das simples conjecturas. E, como dissemos, muitas são as opções. Podemos recuar desde os primórdios da Sociologia (como, por exemplo, em Durkheim e sua obra “As Formas Elementares da Vida Religiosa”), passando pela História das Mentalidades (em torno de Lucien Febvre, Marc Bloch e a Escola dos Annales) e dedicar, enfim, uma boa atenção também às enriquecedoras teses dos pesquisadores ainda ativos.

 

Uma rápida análise do nosso “ponto de partida”

 

Conforme já havíamos aludido na introdução, um olhar crítico sobre as práticas mais correntes de abordagem comparativa dos mitos despertou nossa atenção para a ausência (ou uma escassa presença) dos mitos de origem africana nessas discussões – e, consequentemente, a necessidade de nos somar aos esforços de reparação desse quadro. Por essa situação constituir a causa direta de nossa inquietação, consideramos elucidativo nos aprofundar um pouco em sua análise.

 

Podemos notar que não poucas são as ocasiões em que, em maior ou menor grau, oportunizam-se discussões sobre as semelhanças presentes entre os mitos de diversas e distintas culturas. Essas ocasiões, aliás, justamente por compreender modos específicos de percepção, constituem um leque bastante vasto, estendendo-se desde aquelas de caráter essencialmente acadêmico/científico até as simples curiosidades histórico-antropológicas popularmente disseminadas pelas mídias de entretenimento. E dentro disso, não poderíamos ignorar, ainda, certas abordagens mais especulativas, as quais, por uma prerrogativa própria, dispensam-se do compromisso para com o rigor metodológico de investigação e de interpretação típico das ciências consolidadas.

 

Mas, qualquer que seja o caso, é fato que os mitos utilizados nas comparações, via de regra, acabam por se restringir apenas aos daqueles povos e civilizações mais tradicionalmente associados à formação cultural de nossa sociedade dita ocidental. Não obstante os vários méritos dessa iniciativa, no balanço dos resultados tem-se a manutenção de uma arcaica visão eurocêntrica de mundo, ainda vigente em nosso meio, infelizmente.

 

Contrapondo esse olhar, alguns observadores podem alegar, com relativa justificativa, que os estudos e reflexões sobre as semelhanças entre os mitos envolvem, na verdade, vários povos que se encontrariam além das fronteiras do que se convencionou delimitar como “Ocidente”Por certo, sob determinado aspecto, não poderíamos realmente negar essa constatação. Afinal, além das referências mais usuais relacionadas, sobretudo, aos antigos mediterrâneos vinculados ao território europeu (como os gregos e os romanos), são recorrentes, também, em grande parte e até com bastante destaque, as referências aos povos do antigo Oriente Próximo e, um pouco menos, aos indoeuropeus localizados mais a leste da chamada Eurásia (PARKER, 1995).

 

Mas, em nosso entendimento, isso não significaria, enfim, uma tendência de valorização geral das culturas “extra ocidentais”. Muitas das antigas civilizações próximo-orientais, por exemplo, são consideradas também importantes pilares da formação cultural do Ocidente, seja nas artes, na política, na filosofia, nas ciências ou, sobretudo, na estruturação das grandes tradições religiosas monoteístas – particularmente o cristianismo, predominante em todo o mundo ocidental. Não por acaso, portanto, fazem-se bastante populares as comparações entre elementos de certos mitos israelitas com os mesopotâmicos, bem como de alguns mitos originários de povos ainda mais distantes geograficamente, como os antigos persas.

 

Condutas como essa, aliás, tem sido marca constante nos diversos meios de difusão do tema, desde a comunicação de massa até a educação formal. Na bibliografia do tipo enciclopédica, que busca traçar a história da sociedade ocidental em sua totalidade, como a obra de Burns (1990) – às quais ainda recorrem muitos estudantes – vemos, por exemplo, o destaque dado às semelhanças entre os mitos das antigas crenças persas (sobretudo o zoroastrismo e o mitraismo) e os do cristianismo em suas origens, que buscava também seu espaço no vasto ambiente dominado pelo império romano.

 

O importante a ser frisado é que no geral nota-se, pois, nesses tipos de discussões e reflexões, uma incomodante ausência (ou uma incidência muito tímida) de elementos culturais dos muitos povos vítimas da marginalização imposta durante os vários processos de dominação, sobretudo colonial e imperialista – marginalização esta ainda persistente no senso geral, pressupondo suas culturas como algo do tipo “fora do convencional”, mesmo compondo os alicerces do que se convencionou chamar de “sociedade ocidental”.

 

No caso das Américas – território que, inegavelmente, compreende a maior parte do que se entende por mundo ocidental –, as culturas nativas (ou “pré-colombianas”, na visão eurocentrista), mesmo deixando marcas indeléveis principalmente nas ex-colônias hispânicas (nas quais, em grande parte, fazem-se ainda visíveis e ativas), continuam relegadas a um papel coadjuvante. Ao menos no meio acadêmico latinoamericano há, por certo, um empenho mais patente na valorização dessas culturas; mas os passos, por ora, restringem-se às suas fronteiras.

 

E no caso particular do Brasil, a situação não se faz diferente. Apesar do esforço de vários segmentos visando evidenciar o protagonismo tanto dos africanos e dos afrodescendentes quanto dos indígenas em nossa formação sociocultural, o resultado, de forma global, ainda se encontra aquém do desejado. Ao mesmo tempo causa e efeito, as discussões sobre as similaridades das expressões religiosas, particularmente, não se comportam de outra forma: em seus domínios próprios, acabam perpetuando também a alienação dessas tradições.

 

Fica claro, portanto, a premência de iniciativas para subsidiar essas abordagens de um modo inovador e não mais influenciado pelo senso tradicional. Nesse caso, entendemos que os estudos focados nas particularidades de cada uma dessas culturas (como no caso das pesquisas em religiões e religiosidades, sejam elas históricas, antropológicas ou sociológicas), serão de grande valia, pois, de suas apurações, poderão emergir elementos mais tangíveis em nossa vida cotidiana do que sempre se acreditou.

 

Os mitos das tradições africanas: algumas similaridades manifestas

 

Não obstante a obrigatoriedade legal do ensino da história e da cultura africana e afrobrasileira em todos os níveis da educação formal no Brasil – a qual, por si só, já exige uma produção constante de pesquisas a fim de suprir uma demanda conteudística mais diversificada – percebe-se uma irradiação ainda tímida desse assunto em quase todos os setores da sociedade.

 

Diante disso, consideramos de grande préstimo os estudos e reflexões que se centram, mais especialmente, nas ideias religiosas dessa matriz cultural africana. Afinal, assim como qualquer outra forma de expressão religiosa (étnica ou institucional), elas constituem um fenômeno que jamais se faz alheio à vida cotidiana e, por isso mesmo, cumprem também um papel fundamental no processo de percepção das sociedades e culturas que as conceberam e ainda concebem.

 

Dentro dessa perspectiva temática, de um modo ainda mais circunscrito, podemos encontrar nos mitos ancestrais, particularmente, um elemento do ideário religioso capaz de nos conduzir nesse caminho. E como nossa proposta aqui é, justamente, defender a inclusão dos mitos africanos nas discussões das similaridades mitológicas, detalhemos um pouco mais então as nossas constatações.

 

Para tanto, relacionaremos alguns elementos das mitologias africanas que, sob determinado olhar, contemplam similaridades com as de outras culturas. Partindo de um panorama traçado por Willis (2007) sobre as mitologias tradicionais africanas, nosso objetivo, como já dito no início, não será o de arrolar uma série de mitos e de seus respectivos povos criadores; pretendemos, ao menos, desvelar uma visão geral dos aspectos mais instrutivamente apropriados à nossa finalidade.

 

De início, sirvamo-nos de alguns elementos presentes nos mitos de caráter cosmogônico, que se estabelecem no âmago de muitas tradições. Neles, podemos verificar, como exemplos mais expressivos, algumas figuras bem familiares ao nosso senso: o ovo cósmico, geralmente associado ao núcleo fundante do mundo, e a serpente cósmica, mais comumente relacionada à renovação da vida ou à geração de um novo mundo. Da mesma forma, e até bastante recorrente, nota-se também uma criação ordenada do mundo, onde se distinguem, por exemplo, as periodizações do tempo (dia e noite, estações do ano etc.), as fronteiras espaciais (céu e terra, deserto e águas etc.) e os seres vivos em suas múltiplas categorias, definidos em nomes e gêneros pelas divindades criadoras.

 

As divindades, aliás, também apresentam muitos aspectos de intersecção entre os mitos. Via de regra, há um deus criador e supremo, que geralmente se “afasta” da criação e “delega” certas tarefas e ações divinas a auxiliares e mensageiros. Todas as divindades, no entanto, habitam um mundo superior a elas reservado, em separado do mundo intermediário dos humanos e do mundo subterrâneo dos espíritos. Vale lembrar também que, em certas tradições, o deus supremo já vivera, nos primórdios do mundo, lado a lado com humanos em um mesmo espaço.

 

A relação entre divindade e humano, a propósito, manifesta-se também sob alguns aspectos bastante universais. A origem divina dos governantes, por exemplo, é um elemento base em muitas tradições, e, mesmo que essa ideia não se encontre no todo generalizada, há, ao menos, crenças em uma espécie de “outorga divina” de poder aos reis sobre os humanos e sobre as forças da natureza. Além disso, é também constante a presença de heróis civilizadores, os quais, descendentes ou não dos deuses – mas sempre em íntima relação com eles –, figuram-se como fundadores de muitos povos, linhagens e etnias.

 

Já o ser humano, propriamente dito, apresenta-se, da mesma forma, sob contextos míticos similares. Em muitas culturas, por exemplo, a morte humana não existia nos tempos primordiais; essa só passou a ocorrer, como forma de punição, em função de transgressões ao ordenamento sagrado, provocadas tanto pelos próprios humanos quanto por divindades ou por animais. Em certas variantes míticas, aliás, chega-se a subtender a mulher como o próprio fator de estabelecimento da morte, enquanto que a transgressão dos humanos, em outros casos, é punida com a instituição do trabalho, como garantia única de sobrevivência. A referência a irmãos gêmeos – os quais, grosso modo, são associados à dualidade da existência surgida de uma mesma origem –, é uma constante também em vários mitos que evocam a realidade humana.

 

Por sua vez, a ganância humana faz-se um tema bastante corrente também. Em determinado caso, temos a primeira mulher na terra que se depara com a morte ao ansiar pelo fruto de uma árvore divina; em outro, presencia-se a esposa que, nos primórdios, ao ambicionar mais alimentos do que o necessário, acarreta a condenação do casal ao trabalho, à doença e à morte. Mas mais contundente, ainda, são os relatos sobre a construção de torres: erigidas para se alcançar o mundo divino superior, são posteriormente destruídas pelo deus supremo justamente por desagradar-se com essa presunção humana.

 

No mais, podemos notar, ainda, a ocorrência de certos elementos que, embora na maioria das vezes analisados de forma individualizada ou dissociados do contexto narrativo, apresentam, mesmo assim, uma impressionante similaridade com as constantes dos outros mitos mais tradicionalmente conhecidos no Ocidente.

 

Esse é o caso, como primeiro exemplo, da referência ao número 7, o qual, em determinadas culturas não-africanas, é utilizado para representar a totalidade, a plenitude – em um mito da África, diz-se que a semente cósmica “vibrou sete vezes” (WILLIS, 2007). Já em um outro mito, os animais e os seres humanos são criados “em etapas”, numa sequência numerada de dias – no caso, eles vão surgindo, em grupos, até a noite do 6º dia.

 

Já em outra ocasião, o rio Nilo (tal qual o mar Vermelho, na tradição israelita...), tem as suas águas divididas por um herói-semideus, a fim de permitir a passagem de seus seguidores em fuga do ataque inimigo. Aliás, semelhantemente à prole dos patriarcas hebreus, os filhos de certos heróis míticos africanos são considerados, cada qual, fundadores de tribos independentes.

 

Interessante também, por fim, cotejar certo mito africano com um dos mitos mais antigos de que se tem conhecimento, a Epopeia de Gilgamesh (OLIVEIRA, 2001), de origem suméria. Em ambos os mitos, o deus supremo, nos primórdios do tempo, ficara cansado das discussões ruidosas dos humanos. Todavia, as consequências se diferem: no mito africano, os humanos são despachados para a terra; no mito sumério, acabam dizimados por um dilúvio.

 

Observações finais

 

Com essa breve exposição, mesmo que em linhas sumárias, esperamos ter demonstrado que a inserção dos mitos tradicionais africanos nos estudos e reflexões sobre as similaridades entre as mitologias de povos distintos faz-se, enfim, viável e bastante fecunda, em se considerando válida essa opção de análise.

 

Todavia, cumpre-nos salientar que não desejamos e nem jamais devemos reduzir o conjunto das mitologias africanas a meros modelos de similaridades com outros sistemas mitológicos. Pelo contrário, as tradições africanas apresentam-se, na verdade, sob uma multiplicidade de aspectos muitas vezes tão próprios que nos seduzem tamanha sua originalidade e complexidade, configurando-se, por si só, em objetos de estudo de grande profusão.

 

Por fim, acreditamos ter cumprido, também ao menos, uma tarefa de alerta sobre a necessidade mais que premente de uma maior – e merecida – atenção às religiosidades de origem africana, diante do protagonismo de suas culturas e povos cada vez mais evidente e inegável na constituição de nossa sociedade.

 

Referências biográficas

 

Valmir Medina Riga, Especialista em História das Religiões pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e membro da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR).

 

Referências bibliográficas

 

BURNS, Eduard McNall. História da civilização ocidental. 32. ed. São Paulo: Globo, 1990.

 

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

 

LEVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 1978.

 

OLIVEIRA, Carlos Daudt de (trad.). A epopeia de Gilgamesh.  São Paulo: Martins Fontes, 2001.

 

PARKER, Geoffrey (dir.). Atlas da história do mundo. São Paulo: Folha da Manhã, 1995.

 

WILLIS, Roy. África. In: Mitologias, Deuses, heróis, xamãs nas tradições e lendas de todo o mundo. Roy Willis (org). São Paulo: Publifolha, 2007.

9 comentários:

  1. Olá, bela explanação e como diz o grande historiador Alberto Costa e Silva, "A Mitologia africana é tão bonita quanto a Mitologia grega". . Me diga se já ouviu muita reclamação por parte dos pais de alunos ao explorar esta temática?

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    1. Olá Tide, tudo bem? Obrigado pela leitura e pelo comentário!
      A mitologia africana é realmente fascinante!
      Como minha atuação de historiador tem se restringido às pesquisas acadêmicas, recorri a minhas/meus colegas detentores de grande experiência no magistério para responder com mais apuro o seu questionamento. Conforme constatações do Prof. Jean Bianchi, antes da implantação do novo currículo (quando então havia muito mais oportunidades de se abordar a cultura afro nas escolas), podia-se notar um certo "estranhamento" por parte dos alunos ao lidar com questões religiosas, como a macumba (devido às noções pré-concebidas e equivocadas sobre essa religiosidade); todavia, não se detectara nenhum problema com os pais. Hoje, com o "enxugamento" dos temas da disciplina de História pelo novo currículo, já nem há mais espaço suficiente para o ensino-aprendizagem da cultura afro nas escolas e, portanto, há poucas discussões que possam desencadear repercussões mais acaloradas. A Profa. Dijiane Vereda acrescenta, ainda, que a atual realidade política prejudica muito as abordagens sobre a cultura afro: pais e alunos especulam que os professores estão a doutriná-los para uma determinada religião – fato que acaba exigindo dos educadores um esforço enorme para superar a situação. E segundo o Prof. Gilmar Vicente, a reação ao ensino da cultura afro vai depender da bagagem psicocultural do aluno, encontrando boa receptividade, por exemplo, junto àqueles de idade mais tenra, impulsionados pela curiosidade.
      De minha parte, acredito que o grau de repercussão dessa temática e o atributo das reações (positivas ou negativas) vão depender, enfim, do contexto socioeconômico e cultural em que a escola está inserida. A repercussão dessas abordagens poderia ser, por exemplo, tanto positiva (com relação à afirmação identitária dos afrodescendentes) quanto negativa (sobretudo quando se envolvem as questões de religiosidade: lembremos que, infelizmente, as religiosidades de matriz africana ainda sofrem enorme preconceito no nosso país).
      O seu questionamento, portanto, é bastante pertinente, pois nos desperta para o olhar além dos muros escolares e nos alerta sobre uma possibilidade infinita de pesquisas sistematizadas de campo, visando clarear essa questão. Forte abraço, Tide!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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  2. ótimo texto professor Valmir Medina Riga. A cultura africana possui vários mitos de criação, nesse sentido qual seria a melhor forma de introduzir os alunos nesse universo místico africano ? já que a abundancia de religiões africanas poder deixa os alunos inicialmente confusos.

    Carlos Eduardo Ferreira Alves.

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    1. Olá Carlos! Fico feliz pela sua leitura do texto e o seu questionamento!
      Realmente, o ideário religioso do continente africano é bastante farto e exuberante, mas, por outro lado, podemos encontrar também muitas intersecções de elementos mítico-religiosos entre as várias e distintas tradições (devido, possivelmente, à comunicação contínua entre os muitos povos que se avizinharam e ainda se avizinham por toda a extensão da África). Detectar esses elementos comuns, de certa forma, poderia ajudar na didática junto a um grupo que ainda se encontra nos primeiros passos de contato com a cultura afro. Vejamos um exemplo: a divindade Exu dos iorubas está presente também na tradição do Benin; nesse caso, abordar essa personalidade mítica sob a ótica ou dos iorubas ou do povo do Benin já traria alguma luz sobre as ideias religiosas e a mentalidade mitológica originária das duas distintas tradições, sem precisar discorrer, num primeiro instante, os detalhes tanto de uma tradição quanto de outra. Em outras palavras, para evitarmos certa confusão em nossos estudantes, poderíamos iniciar nossa abordagem com apenas alguns elementos da religiosidade africana, e não todo o seu complexo sistema mitológico.
      Mas acredito que, para os alunos de uma sociedade edificada numa cultura essencialmente cristã, uma abordagem comparativa de mitos seria a mais frutífera, tomando como ponto de partida, nesse caso, os mitos israelitas já bastante familiares em nosso Ocidente. Ao perceber certas similaridades entre os mitos africanos e os mitos judaico-cristãos, a tendência, por conseguinte, seria compreender que tantos os africanos quanto os "ocidentais" viveram e ainda vivem sob os mesmos dilemas da existência humana – possibilitando talvez, com isso, uma maior empatia para com os povos africanos que também se encontram nas raízes de nossa formação social e cultural.
      Assim, não precisaríamos, de início, apresentar aos estudantes uma longa e extenuante relação de mitos africanos, mas apenas algumas similaridades mais significativas objetivando despertar a sua curiosidade, o seu interesse e uma maior familiaridade com as tradições religiosas africanas, para a partir daí, então, aprofundar-se mais, e com mais desenvoltura, nos estudos da vasta mitologia africana.
      Espero ter sanado sua dúvida, Carlos! Estou à disposição! Grande abraço!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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  3. Texto maravilhoso Professor Valmir Medina Riga.
    Sabemos que a cultura africana possuí várias mitologias, devido a sua grande abundância de comunidades, desse modo, gostaria de me informar, como poderíamos inserir essa temática aos alunos de forma que os mesmos consiga absorver e, como ter que lidar com o "choque de suas culturas" com uma totalmente diferente do que eles pensam que é, ou que nunca ouviram falar?

    Alexia Henning

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    1. Oi Alexia, tudo bem? Agradeço muito o seu comentário e o seu questionamento!
      Creio que a primeira parte de sua pergunta, semelhante à questão posta em debate pelo Carlos, logo acima, pode já estar ali respondida. Em suma, face à grande diversidade e riqueza das mitologias africanas, podemos introduzir nossos alunos a esse novo universo de conhecimento apresentando-lhes, de início, apenas alguns elementos mais comuns a várias tradições religiosas africanas. Outra opção seria fomentar análises comparadas entre certos enredos mitológicos africanos e os enredos da mitologia judaico-cristã, estes últimos já bastante familiares em nosso contexto latinoamericano. A percepção de elementos comuns entre as tradições africanas e a tradição judaico-cristã poderia quebrar uma possível barreira erguida pelo “estranhamento” ante à cultura africana, até então categorizada apenas como “exótica” por nossa sociedade – ou, pior, estigmatizada por preconceitos.
      A segunda parte da sua questão, quando você menciona o “choque de culturas”, me fez lembrar de um caso análogo vivenciado pelo renomado mitologista Joseph Campbell, que poderia aqui nos servir de exemplo. Quando começou a ensinar mitologia comparada, Campbell chegou a ter receio de que as crenças religiosas de seus estudantes pudessem ser destruídas. Mas, para sua surpresa, o resultado foi justamente o oposto! Em suas palavras, “tradições religiosas que não significavam muito para eles, repentinamente, se deixaram iluminar por um sentido novo, ao serem comparadas a outras tradições”. Ou seja, o novo, aquilo sobre o qual nunca ouvimos falar, de repente, começa a se aproximar do nosso cotidiano pois, ao notarmos suas semelhanças com um sistema de crenças já bem conhecido e vivenciado, passamos a compreender os seus significados. Acredito que um dos caminhos seja esse, Alexia!
      Mais uma vez, obrigado e forte abraço!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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  4. Ótimo texto, sempre achei mitologias em geral interessantes de estudar, talvez por esse fato eu seja tão fã das obras de Rick Riordan.
    Por conta de questões religiosas, muitas crianças já tem uma visão preconceituosa da mitologia africana e trabalhar com isso pode se tornar algo complicado, no entanto é necessário conhecer novas culturas para desenvolvermos um olhar mais amplo e assim combater os esteriótipos. Na questão do ensino em educação de crianças, qual seria a abordagem mais eficaz para esses conteúdos?

    Eduardo Augusto Barreto de Queiroz

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    1. Olá Eduardo, tudo bem? Obrigado pela leitura e pelo comentário!
      Por conta da marginalização imposta desde o domínio colonial, a cultura afro, apesar de estar tão presente no nosso cotidiano e fazer parte das nossas raízes, ainda se encontra relegada a um plano coadjuvante em todos níveis de educação, formal ou não. Nesse contexto, certamente, a educação das crianças não é uma tarefa simples, pois exige-nos romper com uma mentalidade já estruturada há séculos (lembremos que, antes de iniciar a fase escolar de suas vidas, as crianças já são educadas em várias outras instituições, como a família e o ambiente religioso).
      Em vista de minha atuação como historiador encontrar-se restrita às pesquisas acadêmicas, não teria, de imediato, sugestões concretas para a prática na formação das crianças.
      Mas dentro do que está ao meu alcance, acredito que as sugestões contidas nas respostas anteriores constituem abordagens com um certo grau de eficácia. Dentre elas, a abordagem das mitologias comparadas talvez traga bons resultados. Ao comparar alguns mitos de origem africana com outros mitos mais difundidos no meio escolar e midiático (como os gregos, os egípcios e os israelitas), os estudantes, ao se depararem com ideias, personagens e enredos bastante similares entre os mitos de povos distintos, começariam a entender que os mitos africanos, afinal, também refletem anseios e dilemas comuns a todos. Por esse caminho, então, os mitos africanos seriam apresentados às crianças não como uma mera curiosidade antropológica, mas sim, como algo que lhes faz sentido, mais próximo de sua compreensão e de sua visão de mundo - um caminho que, enfim, poderia ajudar-nos a superar os preconceitos e os estereótipos.
      Espero ter satisfeito a sua dúvida, Eduardo! Fico à disposição! Abraços!
      Att,
      VALMIR MEDINA RIGA

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